sexta-feira, 22 de julho de 2016

Ecologizar o estado



  O Estado frequentemente atua como predador, que submete sua presa; ou atua como um parasita, que suga as energias e forças de quem o sustenta. Como escravagista, que escraviza os cidadãos. Todas essas são relações ecológicas desarmônicas.

Um estado em harmonia com aqueles que o sustentam pratica a simbiose, o comensalismo, o mutualismo, que são tipos de relações ecológicas harmônicas.
Promover relações ecológicas harmônicas
O Estado é uma criação humana que por vezes serve à coletividade, por vezes se serve dela. O Estado não é uma entidade abstrata, mas é composto por indivíduos de carne e osso, com motivações, desejos, interesses. Dependendo de quais sejam tais motivações e interesses, o Estado torna-se opressor, burocratizado, tirânico. Se é movido por outra qualidade de motivações, voltadas para o bem comum, pode ser um recurso à disposição da coletividade para reduzir a violência e o mal estar.
O estado numa democracia dos direitos nunca será capaz de atender a tudo o que cada um considera como seus direitos. Um estado numa darmacracia, em que direitos e responsabilidades são idênticos, uma só coisa, é governado por pessoas que tem a noção clara do que devem e do que podem fazer.

Fita de Moebius - no darma, direitos e deveres tornam-se uma só coisa
A existência de uma meta comum ampla é um norte as ações das pessoas numa coletividade. Uma meta comum inteligível para todos os filhos é cuidar da mãe. Cuidar da mãe biológica é uma motivação que cria convergências entre irmãos, cada qual assumindo com seus recursos e possibilidades o seu papel nessa sustentação comum. O amor à mãe os move e facilita a superação de divergências e a construção de entendimentos e ações comuns. Cuidar da mãe Terra é uma meta igualmente forte que pode unificar a humanidade em torno desse objetivo. Cuidar para que ela mantenha sua saúde, qualidade, elemento primordial para a saúde e bem estar de cada pessoa e de cada ser vivo.
Estados motivados pela missão de cuidar da mãe Terra, acima de fronteiras nacionais e de interesses particularistas, podem abrir mão de parte de sua soberania em benefício do todo.
A ecologia é um forte motivador para ações que elevem o auto interesse a um patamar de maior generosidade e abrangência.
Uma meta comum abrangente facilita as convergências.
A ecologia política, que estuda relações de poder, a ecologia social, a ecologia humana, a ecologia do ser que trabalha com as questões da subjetividade humana, todos esses são campos das ciências ecológicas que podem dar uma contribuição fecunda para uma transformação do Estado, para que que sirva do melhor modo à sociedade que o sustenta com os seus impostos.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

França, fratura e fraternidade




E eu não tenho pátria, tenho mátria. E quero frátria.
Caetano Veloso


Meu bisavô francês Luiz Andrés migrou de Estrasburgo para o Brasil no século XIX,  desgostoso com a guerra entre França e Alemanha, que disputavam aquela região europeia.
Deixou para trás seus irmãos e parentes e se estabeleceu em Juiz de Fora, MG, onde fundou um colégio e formou família. Minha avó Maria Luiza alfabetizou seus seis filhos numa fazenda no interior de Minas e ali eles aprenderam  a falar francês, uma caprichada caligrafia e hábitos alimentares tais como o de molhar o pão na sopa e tomar uma taça de vinho tinto no jantar. Meu pai Luiz Andrés formou-se e exerceu a medicina em Belo Horizonte. Na lista telefônica de Estrasburgo  há muitos Andrés - ou melhor, Andrès, segundo a peculiar acentuação francesa. Compartilho o DNA com meus primos que lá vivem.

O psicólogo transpessoal Pierre Weil também nasceu em Estrasburgo, de onde migrou para o Brasil durante a segunda guerra mundial devido à perseguição contra os judeus. Ele tinha visão mundialista e dedicou-se por muitos anos à cultura da paz. Aprendi com ele  sobre a ecologia do ser e os aspectos subjetivos da ecologia pessoal.

Estrasburgo é hoje a sede do Parlamento Europeu, onde se debatem as questões da integração supranacional e os desafios e tensões colocados pela composição diversificada da população europeia, que incorporou descendentes dos antigos povos colonizados da África, Ásia e América. E pelas ondas de migrantes de países em guerra e em crise climática, que buscam refúgio na Europa

A França encontra-se fraturada pela violência entre cidadãos franceses, que se matam em ataques a sinagogas, mesquitas, mercados; a empresas de comunicação (Charlie Hebdo), a bares (Bataclan) e a multidões nas ruas (Nice em 14 de julho). Como desarmar a bomba fratricida na França? Há futuro para uma visão fraterna e mundialista? Ou prevalecerá a violência entre irmãos?

As palavras ‘fratura’ e ‘fraternidade’ vêm do latim frater, que designa aquilo que se partiu de um todo, mas que compartilha uma mesma origem. Os princípios da Fraternidade, Liberdade e Igualdade, compõem o ideário da Revolução Francesa de 1789. Liberdade sem Fraternidade pode gerar escaladas de terror e de violência física, pessoal e social nas comunicações e na convivência. A aplicação do princípio da Fraternidade pode ser uma chave para deter essa espiral. Liberdade de expressão e de comunicação não-violenta combinam com Fraternidade entre os interlocutores. Há poder nas palavras e em outros tipos de comunicação e mensagens. A falta de sensibilidade para com as crenças, formas de vida e sentimentos do outro, de compaixão, de solidariedade, de empatia podem produzir atos de comunicação que ofendem e agridem. A comunicação não-violenta é essencial para reduzir a violência física, que, com homicídios e agressões, é a ponta do iceberg de uma violência mais geral, que se inicia nos pensamentos, nas palavras, nos gestos ou imagens. Na comunicação, cada mensagem verbal, escrita, desenhada ou falada é a ponta de um iceberg. Submersos e invisíveis, nelas se escondem interesses, crenças, desejos, sentimentos, pensamentos, emoções e preconceitos. Mensagens podem incitar ao ódio ou inspirar o amor e a convivência fraterna. Podem injuriar, difamar, ironizar, alfinetar e ferir, insinuar maldosamente. Nesse sentido, são armas para ofender, atacar, se defender de ataques adversários. Pode-se evitar a escalada na espiral de violência na comunicação falada, escrita, desenhada. Tais mensagens podem inspirar, promover virtudes, despertar sentimentos edificantes. O cuidado com as palavras e com a linguagem integra o esforço de aprimoramento da evolução humana. Gentileza, cortesia, cordialidade, empatia e compaixão são atitudes que podem desarmar escaladas de violência na comunicação. Podem contribuir para colocar em prática o principio da Fraternidade. Liberdade com Fraternidade, Igualdade com Fraternidade podem ser os objetivos a serem perseguidos para se interromper a espiral da violência.
O poeta mexicano Octavio Paz[1] explicita a importância de a Fraternidade ser combinada com a Igualdade e com a Liberdade: “Dadas as diferenças naturais entre os seres humanos, a igualdade é uma aspiração ética que não pode ser concretizada sem se recorrer ao despotismo ou a um ato de fraternidade. Minha liberdade fatalmente se confronta com a liberdade do outro e procura destruí-la. A única ponte capaz de reconciliar essas duas irmãs que continuamente se atacam de faca é uma ponte feita de braços interligados: a fraternidade.”
Que tal praticar em conjunto os três princípios? Chegou o tempo da Fraternidade ser combinada com a Liberdade e com a Igualdade. O princípio da Fraternidade abre caminho para recuperar a unidade da humanidade, sem desconhecer sua diversidade e caráter plural, dado pelas diferentes culturas regionais ou nacionais. A França fraturada é uma anfitriã que precisa acomodar  pessoas de diferentes origens,  com necessidades e hábitos diferentes, com empatia, compaixão e compreensão da unidade humana.

Mahatma Gandhi aplicou o princípio da não violência, ou ahimsa, quando da luta de libertação da Índia. A postura não violenta é pragmática e aumenta as chances de êxito dos menos truculentos ou menos armados. Pode significar o êxito da inteligência contra a força bruta. Por meio da violência, espalha-se o medo e se facilita a opressão.

Minha netinha Luiza tem em seu DNA a ancestralidade francesa. Ela é carioca e vive no Brasil, onde ocorrem mais de 50.000 assassinatos por ano. Oxalá o princípio da Fraternidade passe a ser mais aplicado e valorizado na França e no Brasil, reduzindo mortes fratricidas entre os franceses e entre os brasileiros. Que Luiza possa viver num ambiente menos conflagrado no Brasil e também na França, quando visitar seus primos em Estrasburgo.




[1] Octavio Paz, poeta mexicano, ex-embaixador na India. A referência é de artigo publicado no Estado de São Paulo, sem data.

sexta-feira, 8 de julho de 2016


COLAPSO




       Em seu livro Colapso  Jared Diamond diz que “Fatores ecológicos, mais freqüentemente que guerras ou política, determinam o sucesso e o fracasso dos povos”.
Para ele, os impérios e, atualmente os Estados Unidos, são como a Roma antiga às vésperas do colapso: capaz de perceber os sinais de alerta, mas incapaz de fazer os sacrifícios (como reduzir o padrão material de consumo) para reverter esse quadro. “O colapso de sociedades envolve componente ambiental e, em alguns casos, mudança de clima, vizinhos hostis, parceiros comerciais e questionamento sobre a resposta da população". Diamond aponta a existência de doze problemas simultâneos e alerta que “Se nos concentrarmos em apenas um e esquecermos os outros onze ou vice-versa, estaremos perdidos da mesma maneira”. São eles:
      Destruição de habitats naturais (florestas, pântanos, recifes de coral).
     Redução das fontes de alimento selvagem (peixes, por exemplo, que respondem por 40% da proteína consumida no mundo).
      Perda da biodiversidade.
      Erosão e salinização dos solos.
      Dependência dos combustíveis fósseis.
      Esgotamento dos recursos hídricos.
      O fato de a maior parte da energia solar ser usada para propósitos humanos (plantações).
   Despejo de produtos químicos (agrotóxicos, hormônios, componentes de plásticos, rejeitos de mineradoras, poluição do ar).
      Transferência de espécies exóticas para novos habitats.
      Acúmulo dos gases do efeito estufa.
      Aumento da população.
      .    Seu impacto sobre os recursos naturais.

As atividades produtivas humanas geram subprodutos tais como as poluições, a degradação ambiental, a devastação de ecossistemas.
A visão produtivista focaliza os benefícios econômicos imediatos e de curto prazo, mas frequentemente é míope ao se esquecer dos custos imediatos e de curto, médio e longo prazos associados a tal produção.
A avidez pelo consumo material bloqueia a percepção e a consciência e produz cegueira para os impactos, surdez para ouvir vozes de alerta sensatas, insensibilidade e falta de olfato para cheirar no ar os riscos associados a tal produção. Embotamento dos sentidos, anestesia e hipnose conduzem ao colapso.
Os estilos de vida das elites ricas dos países do sul e das sociedades do “primeiro mundo” industrializado, somados aos padrões de consumo das novas classes médias dos países emergentes atraídas pela propaganda e a publicidade, tornam inviável, em médio prazo, a sobrevivência do modelo político e econômico global. Levarão ao colapso de civilizações e sociedades.
Padrões de consumo sustentáveis caracterizaram civilizações asiáticas e sociedades indígenas que perduraram por milênios. Há civilizações antigas que evoluíram com alto respeito e veneração pela natureza, como a indiana, por exemplo, que conceberam o dharma e  aplicaram os princípios da ahimsa ou não violência ao mundo humano e à relação com os animais e as plantas. Dessas civilizações que apresentam uma baixa pegada ecológica e daquelas estudadas por Jared Diamond em  seu livro,  podem-se extrair ensinamentos para uma evolução ecologizada.

quarta-feira, 6 de julho de 2016


Definindo o verbo Ecologizar


        Até 2016, o verbo Ecologizar ainda não consta dos dicionários Houaiss e Aurélio de língua portuguesa. Em 2009, o termo apareceu no Caldas-Aulete definido como Conscientizar para a importância dos princípios ecológicos. Trata-se de definição limitada à consciência, que não enfatiza a dimensão da ação.
        Até 2007 ele existia em castelhano. Em 2007 foi incluído na enciclopédia global Wikipédia. Em julho de 2016, a pesquisa do termo ecologizar no Google apresentava 16.200 registros. Em francês, para o verbo ecologiser, há 1270 resultados. Em inglês, para o verbo to ecologise havia 3.170.000 resultados.
       Em 2008, a artista Silvia Katz do Atelier Azul de Salta, República Argentina, publicou El pequeno ilustrado, um dicionário de verbos criado a partir de definições e ilustrações infantis. Crianças são seres em formação com grande liberdade de pensamento e de imaginação. Elas têm facilidade de expressar, com espontaneidade, criatividade e sem os condicionamentos culturais dos adultos, aquilo que percebem do mundo e das palavras. Em frases sintéticas, meninas com idades entre 10 e 12 anos definiram o verbo Ecologizar. As diferentes definições focalizam o mundo animal e vegetal; relacionam o ser humano com o ambiente; chamam a atenção para a responsabilidade humana por cuidar da Terra e do ambiente. Uma delas expressou as ameaças relacionadas com os desequilíbrios ecológicos e climáticos (Pensar que no futuro não existiremos - Bernarda); outra mostrou a importância da consciência ecológica (Usar a cabeça para proteger o meio ambiente – Lucia D.); outra ainda, chamou a atenção para a unidade entre o ser humano e o mundo, cujos destinos se entrelaçam (Pensar que se algo ocorre com a Terra, também acontecerá com o homem - Micaela) ou enfatizou a importância de conhecer o aspecto original da ecologia, que relaciona bichos e plantas com seu ambiente (Inventar uma “plantologia” e uma “animalogia” - Luciana); uma apontou a relevância da ação humana (Fazer de nosso mundo um lugar melhor - Maria Paula). Algumas definições apontaram o poder do sentimento, do amor, do afeto, do cuidado com o planeta (Sentir o meio ambiente em suas mãos e cuidar dele - Francisca); (Unir-se com a vida. Amar o mundo onde vives - Lucia S.); (Dar um grande abraço no planeta - Manuela).
         No livro O verde é negócio, Hans Jöhr mencionava a “ecologização” da empresa, do escritório, da fábrica, do processo, do comércio internacional. Alguns pioneiros, como Edgar Morin, propuseram ecologizar o pensamento.
         Defino ecologizar como aplicar os conhecimentos das ciências ecológicas e da sabedoria da consciência ecológica  em todos os campos da vida. 
          Ecologizar é um verbo e verbo é ação. Ecologizar é ativar o modo de ação ecológica necessário para direcionar o rumo da evolução. Da mesma forma como a sociedade se informatizou rapidamente no final do século XX, precisa rapidamente se ecologizar no início do século XXI.
          Para compreender integralmente essa definição é preciso saber o que são as ciências ecológicas e o que é a consciência ecológica. Acontece que existe hoje um déficit de compreensão acerca do que são as ciências ecológicas.  Alguns a associam a bichos, plantas e sua relação com o ambiente em que vivem, uma concepção biológica, pois a ecologia se originou nas ciências naturais no século XIX. Entretanto, ao longo do século vinte ela se ramificou em inúmeros campos: ecologia humana, ecologia cultural, ecologia política, ecologia social, ecologia energética, ecologia profunda ou do ser etc. Cada um desses campos tem seu conjunto próprio de conhecimentos e práticas. Fritjof Capra alerta para o analfabetismo ecológico e para mitigá-lo, propõe a ecoalfabetização, pois sem o bê-á-bá da ecologia, palavras e conceitos mais complexos são incompreensíveis.Ao ecologizar a educação, tais conhecimentos são transmitidos em cada disciplina que compõe setorialmente o currículo escolar e sintonizam cada campo especializado do conhecimento com a visão holística e ecológica.
Egologizar - 1a edição 1998- Santa Rosa Bureau Cultural.BH.
Ecologizar- trilogia 4a edição 2009.Brasilia.
Por acreditar na fecundidade desse verbo e das potencialidades de sua aplicação, escrevi em 1998 o livro Ecologizar, abri um site e um blog. Em sua 4ª edição, em 2009, o livro desdobrou-se numa trilogia: o primeiro volume aborda os princípios para a ação; o segundo volume aborda os métodos para a ação; o terceiro volume aborda os instrumentos para a ação. Naquele mesmo ano de 1998, o antropólogo, sociólogo e filósofo das ciências francês Bruno Latour no artigo Modernizar ou ecologizar? essa é a questão abordava o tema a partir de uma visão da ecologia política, de gestão de conflitos de interesses que se manifestam em vários dos temas ecológicos. Latour deu uma entrevista (O Globo, 28-12-2013), na qual falou que ‘ecologizar’ é o verbo da vez: “Ecologizar é dizer: já que, de fato, não separamos questões de natureza e de política, já que a História recente dos humanos na Terra foi o embaraçamento cada vez mais importante das questões de natureza e de sociedade, se é isso que fazemos na prática, então que construamos a política que lhe corresponda em vez de fazer de conta que há uma história subterrânea, aquela das associações, e uma história oficial, que é a de emancipação dos limites da natureza.” É preciso saudar o fato positivo de que ecologizar esteja sendo proposto como o verbo da vez.
Ecologizar expressa a ação de introduzir a dimensão ecológica nos vários campos da vida e da sociedade. Significa uma revolução silenciosa semelhante à que ocorreu com a informatização da sociedade. Pouco a pouco, e de forma cada vez mais rápida, todos e cada um dos campos da atividade humana se informatizaram: da indústria aos serviços, da agricultura à guerra, das atividades governamentais à vida pessoal.  A ecologização da sociedade também se iniciou lentamente e tomou impulso no século XXI. Se por um lado crescem a explosão demográfica e os níveis de desejos e demandas por conforto material, por outro lado cresce também e se transforma a consciência humana, com a explosão de conhecimentos científicos sobre a dinâmica do planeta, do clima, dos oceanos, das águas e sobre o papel de nossa espécie nessas transformações. A ecologização de tudo já vem ocorrendo. Em todos os campos, sociedades, organizações e indivíduos já vêm se ecologizando, por meio da adoção de princípios e valores ecológicos; por métodos de ação coletivos e participativos, estratégias e planejamento de longo prazo e também pela invenção e uso de instrumentos adequados. O modo ecológico de consciência se dissemina  no  pensamento e na palavra e traz consigo atitudes, comportamentos e formas de agir ecologizadas.