segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O Jardim Botânico é um espaço para a hidroalfabetização



A Califórnia passa por uma seca severa desde 2010. O estado colocou em prática várias iniciativas para dar respostas à questão. Uma delas é o programa de incentivo a jardins com plantas que consomem pouca água. Esse programa se baseia na aplicação prática de conhecimentos especializados, com o suporte da botânica, climatologia, biogeografia, ecologia, agronomia, técnicas de irrigação.
Há vários jardins botânicos no estado. Eles cumprem importante papel educativo e ajudam a criar uma cultura sobre as plantas e suas demandas por água. No Jardim Botânico de San Diego as crianças têm à sua disposição um ABC da fito-alfabetização, no qual aprendem os nomes das espécies e como identificá-las. Ali, o conhecimento sobre as plantas é transmitido de modo lúdico e agradável para pessoas de todas as idades.
 
O Jardim Botânico dissemina conhecimentos sobre o clima da região do sul da Califórnia e sobre as mudanças climáticas, que trarão menos chuva e impactarão a oferta e o suprimento de água no longo prazo. A Califórnia é um dos cinco lugares do mundo com clima mediterrâneo. Sua vegetação nativa tem as características positivas de ser adaptada ao clima, ao solo, à baixa pluviosidade.


No Jardim Botânico de San Diego divulga-se o conhecimento sobre as espécies nativas daquele clima mediterrâneo e semi árido e sobre as suas qualidades em termos de demanda de água. Mostram-se em destaque as plantas que habitam os ambientes costeiros e semiáridos, realçam-se e valorizam-se sua beleza, charme e graça, no sentido de criar uma predisposição cultural favorável a seu uso no paisagismo e nos jardins. Estimula-se o plantio delas e também se dão informações práticas sobre como podem ser plantadas e cuidadas em sua manutenção.  Procura-se fortalecer um novo padrão estético combinado com o aspecto da ética ecológica, de reduzir o consumo excessivo da água. 


Placas educativas recomendam o trabalho cooperativo e o uso de plantas tolerantes à seca. Um aspecto enfatizado é o uso de água reciclada para regar as plantas, que não deve ser bebida. Os sistemas de irrigação usados no Jardim Botânico de San Diego servem como referências para as transformações que vem sendo feitas em jardins e quintais privados ou públicos.
A partir de conhecimentos técnicos e científicos e de um processo de adaptação estética e cultural,  o modelo de paisagismo e jardinagem na Califórnia é ajustado à situação de seca e estresse hídrico que tende a perdurar e se acentuar no futuro, no contexto das mudanças climáticas.


Califórnia e a convivência com a seca: jardins, paisagismo e conservação de água



A Califórnia convive desde 2010 com uma severa seca.  
Com  pouca chuva e muita gente,  o sul do Estado planeja há anos a conservação e controle de uso da água. Formulou um plano estratégico para lidar com a seca, aumentando a oferta de água e reduzindo a demanda, com o mínimo prejuízo ao bem estar. No campo da redução da demanda, um dos importantes instrumentos para a adaptação à seca e para conservar água está no campo da jardinagem e do paisagismo.
Os subúrbios e bairros residenciais das cidades americanas são conhecidos pelos extensos jardins e gramados verdes. Os versos de Leminski em Verdura, cantada por Caetano Veloso lembram que
eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana.
Os gramados verdes  são altamente consumidores de água. Num contexto de seca, a grama deixa de ser bacana. Valorizam-se outros modelos de paisagismo, incentivam-se padrões estéticos de jardins com novos conceitos cuja aplicação leva à conservação de água. 
Assim, o Estado da Califórnia instituiu programas de reembolso (grants, rebates) para os moradores que tiram a grama seus jardins e quintais e a substituem por plantas que precisam de pouca água. Programas de reembolso tais como o do Departamento de Água e Energia de Los Angeles, pagam aos moradores uma quantia proporcional à área do terreno que foi ajardinada com plantas adequadas, reduzindo a demanda de água.  As propostas dos moradores são avaliadas e pré-aprovadas. Funcionários do governo inspecionam as mudanças feitas e liberam os recursos do reembolso aos moradores. Para que os reembolsos sejam feitos de modo correto esse programa depende de confiança e de não existirem fraudes entre os funcionários públicos e os moradores. Da mesma forma, as floras comerciais, que produzem e vendem mudas para os jardins e quintais, recebem incentivo econômico pela venda de plantas que ajudam a poupar água.

Campanhas de divulgação, com folhetos em inglês e em espanhol, recomendam regar jardins de manhã cedo, instalar irrigação por gotejamento, coletar e usar água de chuva e usar plantas nativas tolerantes à seca.


















Micro aspersão. Substituição de gramados por jardins com plantas que demandam pouca água em Encinitas e em La Jolla, perto de San Diego.


Os jardins no campus da Universidade da Califórnia em Santa Barbara adotam cactáceas e outras plantas que demandam pouca água para sobreviver.
O programa de redução da demanda de água por meio do plantio de jardins  é sustentado por uma base de conhecimentos sobre botânica, paisagismo, clima e técnicas de uso da água na irrigação de plantas. Universidades, centros de pesquisa e jardins botânicos produzem o conhecimento necessário, aplicam-no em seus jardins e o divulgam em programas de educação sobre as plantas e suas demandas de água. Pratica-se o uso  ético e consciente da água  e estimula-se outro padrão estético que valoriza as plantas nativas, adaptadas a cada bioregião e ecossistema.
No Brasil, a arquitetura, o paisagismo e o urbanismo têm muito a aprender para se tornarem hidroconscientes e deixarem de ser hidroalienados.





Balança Hídrica: meu corpo é água


   Vivi uma experiência educativa inesquecível ao pesar-me em uma balança hídrica instalada num museu de ciência e tecnologia. Trata-se de uma balança comum, que indica o peso do usuário, acoplada a uma caixa d’água. Cada usuário lê seu peso e vê à sua frente, num recipiente graduado e transparente, a quantidade de água que existe em seu próprio corpo. Ao lado da balança hídrica, uma placa informa: “A água corresponde a 70% do peso de cada ser humano. A quantidade de água à sua frente corresponde à quantidade de água existente no seu corpo.”       

Dois modelos de balança hídrica num centro de educação para a água e num museu de ciência e tecnologia. Bangalore, Índia.
O corpo humano é constituído de água e minerais. Quando choro, as lágrimas são água; bebo água e a devolvo ao ambiente por meio da urina ou do suor. A saliva e outras substâncias aquosas estão contidas no corpo.    70% do peso do corpo reflete a quantidade de água existente no interior das células e vasos sanguíneos bem como nos interstícios das estruturas e órgãos corporais: 75% do cérebro, por exemplo, é água; o sangue contém 75% de água; os músculos, 81%; o fígado e o pulmão têm 86% de seu peso constituído de água. Quando perdemos um litro de água, sentimos sede. Ao perdemos dois litros de água, temos sede, cansaço e fadiga. Quando perdemos três ou mais litros de água nos desidratamos e corremos risco de vida.
Usar uma balança hídrica é uma experiência educativa prazerosa, impactante e de fácil assimilação, que desperta o autoconhecimento e fomenta a hidroconsciência das pessoas, desde os primeiros anos de idade. O uso da balança hídrica conscientiza sobre a importância da água na vida humana; mostra que o corpo de cada ser vivo é, também, um corpo hídrico; desperta, de forma lúdica, a consciência dos seres humanos de pertencerem à natureza e aos elementos naturais e ambientais.
Balanças hídricas podem ser instaladas em museus de ciência e tecnologia, escolas, universidades, instituições públicas, praças, shopping centres, entre outros. Seria valioso implantar em muitas cidades brasileiras sujeitas a crise hídricas esse instrumento pedagógico amplamente usado na India, no Japão e em outros países.  Seu design pode ser funcional e econômico.
A percepção de ser parte integrante da natureza ajuda a produzir comportamentos mais amigáveis e menos agressivos em relação a ela. Os cuidados com o corpo e com seu ambiente interno aquoso são tão necessários à saúde como os cuidados com a água no ambiente externo e que indicam a saúde ambiental. O sistema circulatório no corpo humano com suas artérias, veias e capilares corresponde à rede hidrográfica que existe num território.

 
















Como lembra J. Krishnamurti, “O ambiente é o que somos em nós mesmos. Nós e o ambiente não somos dois processos diferentes; nós somos o ambiente e o ambiente somos nós”.