segunda-feira, 12 de setembro de 2016

PAZ, CLIMA E MEIO AMBIENTE



“Quem perdeu a paciência perdeu a batalha”
Inscrição num muro em cidade indiana.


Ao conferir a ambientalistas o prêmio Nobel da Paz de 2004 e o de 2007, o comitê que os escolheu prestou um relevante serviço à sociedade. As conexões entre os temas da paz, do clima e do meio ambiente  são, ainda hoje,  precariamente percebidas. Ao valorizar a questão ambiental e climática como essenciais para a paz, o comitê do prêmio Nobel ajuda a expandir a consciência coletiva nessa direção.
 Wangari Maathai, a queniana premiada em 2004, expressava tal consciência quando disse que "Quando plantamos novas árvores, plantamos as sementes da paz."  Esta consciência foi também verbalizada pela presidente do comitê Nobel Norueguês, Ole Danbolt Mjoes, ao afirmar que "A paz na Terra depende da nossa capacidade de garantir nosso meio ambiente vivo". O noticiário informa que, ao tomar tal decisão,  o comitê enfrentou  resistências e contrariou posições dos segmentos que ainda não percebem com clareza essa vinculação e  que insistem em critérios baseados em outro paradigma e visão de mundo, na qual os aspectos militares, políticos, de conflitos e de segurança são percebidos como se estivessem desvinculados da base ecológica que os sustenta. 
Al Gore, o americano premiado em 2007, assim como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU, e seu presidente, o indiano Rajendra Pachauri, prestaram um relevante serviço à paz ao se dedicarem ao tema das mudanças climáticas como potencial desencadeador de conflitos. Al Gore, por meio do documentário “Uma verdade inconveniente”, ganhador do Oscar, e o IPCC por meio de seus relatórios, comunicaram para o grande público os riscos a que a humanidade está exposta.
Num contexto em que é crescente a pressão sobre os recursos naturais – a água, o solo, as florestas – sendo também crescente o risco de conflitos e da propagação da violência entre sociedades e grupos sociais, relacionadas com o acesso e uso a tais recursos, a disseminação de valores humanos construtivos será um elemento essencial para promover a harmonia e da paz social e com a natureza. Perceber que a guerra é a mais antiecológica das atividades humanas, pois destrói não somente as vidas humanas, mas a vida animal e vegetal, bem como polui e contamina  os ecossistemas, é um primeiro passo para levar à consciência de sua inviabilidade. A escravidão somente foi abolida quando, além de indesejável para os planos comerciais das metrópoles, pois o assalariamento dos ex-escravos poderia gerar um mercado consumidor,  tornou-se insuportável na consciência social; assim também, a guerra e a agressão ao ambiente somente serão abolidos quando se tornarem psicologicamente insuportáveis e quando se expandir a consciência sobre seus custos e riscos.  
As decisões da comissão do prêmio Nobel de conferir o prêmio Nobel da Paz a ambientalistas são o início de uma tendência que levará a uma longa série de valorizações da  consciência e da ação ecológica, como essenciais para a prevenção de conflitos e a manutenção da paz.
 Num mundo em que os conflitos e a disseminação da violência e da guerra estão presentes no dia a dia,  a construção de uma cultura da paz exige  transformação de valores, mentalidade e comportamentos. A UNESCO já reconhecia a necessidade de trabalhar a paz dentro de cada pessoa quando adotou a seguinte frase como introdução ao ato que a constituiu: “Se as guerras nascem no espírito dos homens, é nos espíritos dos homens que devem ser erguidos os baluartes da paz.”
 Há necessidade de trabalhar os valores da paz no nível pessoal,  social e da paz com a natureza - com a qual a espécie humana tem travado guerra violenta, degradando-a e poluindo-a. A guerra fria e a cultura belicista anunciavam “Se queres a paz, prepara-te para a guerra” (em latim, “Si vis pacem para bellum”). Atualmente, se queremos a paz, devemos nos preparar para a paz.
Programas de educação para a paz retomam noções presentes em antigas tradições, como por exemplo, a noção indiana de “ahimsa”, que tanto pode ser traduzida como ‘não violência’ ou “ausência de falta de amor”. Tal princípio, aplicado nas estratégias não-violentas de resolução de conflitos, foi usado pelo Mahatma Gandhi na resistência passiva contra os ingleses, que culminou na independência da Índia, em 1947.
Uma cultura de paz com a natureza implica em desenvolver um tipo de relação menos utilitarista da espécie humana com o ambiente, que ressacralize a natureza, reintegrando os indivíduos como parte da biodiversidade. Supõe estabelecer uma relação que evite considerar a terra apenas como fonte de recursos naturais a ser explorada, ou depósito de resíduos no qual se descartam as sobras e o lixo, subprodutos do consumo material imediatista. Implica também em reconhecer os crescentes riscos e ameaças à segurança individual e social representados pelos desequilíbrios ambientais e pelas mudanças climáticas.
A educação para a paz e para a cidadania é essencial para produzir uma relação mais amigável e menos conflituosa do ser humano com o meio ambiente. No contexto da educação para a paz e para o meio ambiente, existem várias iniciativas. Uma delas, criada por Pierre Weil na Universidade Holística de Brasília, e adotado em vários países, é “A arte de viver em paz”. Aborda temas como a mudança de paradigma na ciência e sua influência sobre a educação pela paz. Mostra a diferença entre a paz percebida como um fenômeno externo ao homem, e vista como um estado interior. Propõe uma visão holística da educação pela paz. Compõe-se de vivências práticas, que abordam a transmissão da arte de viver em paz e o processo de sua destruição. Distingue três aspectos do tema: a paz consigo mesmo, com os outros e com a natureza. Mostra como nasce a guerra no espírito do homem e apresenta métodos para o despertar e para  o desenvolvimento da paz interior, no corpo, no coração e no espírito. No segundo aspecto, denuncia a normose[1] contemporânea e apresenta os processos de educação social, cultural e econômica pela paz.  No que se refere à paz com a natureza, trata do homem como parte dela e defende a necessidade de uma pedagogia ecológica.
 Paz e guerra se realizam crescentemente no campo psicológico. A guerra de nervos, o  medo e o pânico gerados pela falta de informação confiável são conhecidos em casos de acidentes ambientais. Assim, a desconfiança do cidadão comum em relação à energia nuclear foi alimentada pela desinformação e pelo caráter sigiloso com o qual o tema foi tratado durante décadas, por ser considerado de segurança nacional.  O medo ao desconhecido e aos riscos com ele associados também alimenta as ressalvas quanto aos produtos transgênicos, devido a seus potenciais, reais ou imaginários, riscos à saúde e ao meio ambiente. A informação insuficiente promove reações histéricas, pânico e tensão, inquietações, rumores e notícias sensacionalistas.
A segurança ecológica constitui tema emergente nesse contexto, dados os números crescentes de refugiados ambientais, isto é, pessoas que se viram obrigadas a abandonar seus locais de origem e a migrarem, devido a catástrofes e fenômenos tais como secas, enchentes, furacões, terremotos.



[1] Conforme Pierre Weil, normose é o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir aprovados por um consenso ou pela maioria de uma determinada população e que levam a sofrimentos, doenças ou mortes, em outras palavras, que são patogênicos ou letais, e são executados sem que os seus atores tenham consciência desta natureza patológica, isto é, são de natureza inconsciente. As normoses são estágios ainda não percebidos pela sociedade como doenças, tais como as neuroses ou psicoses.

Um comentário:

João Soares disse...

Sempre aprendendo com os seus textos. Muito grato, Maurício.
Conhece o meu blogue BioTerra?
Como posso receber as suas novidades?
Eu tenho a caixinha "seguidores" e quem me segue recebe a postagem mais recente.
Um abraço transatlântico