terça-feira, 8 de novembro de 2016

Democracia dos direitos e seus limites



Estudiosos da democracia dos direitos, ao mesmo tempo em que apregoam suas virtudes, pois seria o regime político mais avançado das sociedades humanas, apontam suas fragilidades.
O sociólogo Manuel Castells fala da necessidade da democracia reinventar-se. O filósofo Jürgen Habermas ressalta as tensões que permanentemente desafiam o Estado democrático de direito, entre elas destacando-se o terrorismo, do início do século XXI. A pretexto de garantir a segurança e de combater o terrorismo, governos de países que se dizem democráticos montaram sistemas de vigilância sobre os cidadãos e de bisbilhotagem eletrônica que criam situações de medo, de coerção e alimentam desconfianças. Diante das ameaças reais ou imaginárias do terrorismo, os governos colocam em segundo plano as conquistas da democracia, como os direitos civis, o direito individual ou o direito à privacidade.
Os movimentos sociais dos últimos anos em todo o mundo explicitaram a crise de representatividade e de confiança nos políticos e nos sistemas que os sustentam. Expressaram descrença na política partidária. Número crescente de cidadãos declara que ninguém os representa, não se sentem representados por nenhum partido político. Número crescente de eleitores se ausenta e vota nulo ou branco. A democracia dos direitos é um sistema que vem sendo questionado em muitos países. Entretanto, devemos nos lembrar que há sistemas políticos autocráticos, totalitários, despóticos, que inibem ou reprimem a liberdade de expressão de que se desfruta em democracias. É preciso ter cuidado ao analisar criticamente a democracia dos direitos e ao propor modos de aprimorá-la, para não jogar fora a criança com a água do banho, ou seja, para não se desvalorizarem as suas boas qualidades.Herdeiro da civilização greco-romana e da tradição judaico-cristã, o mundo ocidental inventou o Estado democrático de direito. Os grandes impérios da matriz ocidental enfatizaram o direito: no passado, o império romano concebeu o direito romano. Em 1789, a revolução francesa proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, afirmando o direito à liberdade, à igualdade, à propriedade e o direito de resistir à opressão. Em 1948, a ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na história recente, o império americano se fundamenta na democracia dos direitos.
Os direitos se expandiram. Dos direitos individuais - à liberdade, à vida, à expressão -, evoluiu-se para os direitos sociais, econômicos e culturais – à educação e à saúde, ao trabalho e à greve. Daí se evoluiu para a terceira geração, a dos direitos e interesses difusos, que ultrapassam a perspectiva individual e que incluem a proteção da coletividade, da paz e da segurança pública, do patrimônio histórico e cultural e do meio ambiente.
As democracias se orientam idealmente para a justiça e os direitos, para a transformação, a evolução, os projetos de liberdade, o novo e a modernização, assim como para a atividade e o trabalho produtivo e com resultados, a esperança e o futuro, valorizando a ciência e a razão. Entretanto, na prática, nos diversos sistemas políticos e também nas democracias dos direitos, deformações e desvios acometem o político e o administrador público.
Os diversos regimes políticos existentes - seja os totalitários, autocráticos, teocráticos e, também, as democracias dos direitos - estão sob constante pressão das populações.
A insatisfação social que eclode em várias partes reflete a aspiração por uma humanidade com mais justiça e menos violência, o que inclui mais justiça ambiental e menos violência contra a natureza. A insatisfação manifestada nos movimentos sociais em vários países nos últimos anos clama contra a corrupção e pela transformação do sistema político.
Experimentos de democracia participativa reduzem as distâncias entre quem governa ou decide e cada cidadão. Audiências e consultas públicas, plebiscitos, estruturação de órgãos colegiados com presença das partes interessadas são instrumentos da democracia participativa. Entretanto, mesmo tais experiências positivas sofrem quando os colegiados são capturados por lobistas ou por atores que os influenciam em favor de interesses particularistas.
Variam as ênfases entre direitos e responsabilidades de uma para outra sociedade. Em algumas enfatizam-se os direitos individuais em detrimento das responsabilidades sociais ou coletivas. Em outras, restringem-se os direitos individuais e se priorizam as responsabilidades coletivas. Compatibilizar a liberdade individual com as responsabilidades coletivas demanda um delicado equilíbrio. Conhecer e aplicar o conceito do dharma pode ajudar a encontrar tal equilíbrio.
A insatisfação social pede por relações políticas que sejam mais amplas e generosas, ao tomarem o planeta como a principal unidade de referência. Ecologista respeitado, James Lovelock, em seu livro “A vingança de Gaia”, considera insuficiente a abordagem a partir dos direitos e necessidades humanos: “Meu desejo há muito tempo é que as religiões e os humanistas seculares se voltem para o conceito de Gaia e reconheçam que os direitos e necessidades humanos não são suficientes.”[3](p.132). Ele afirma que “nossa tarefa como indivíduos é pensar em Gaia primeiro. Isso não nos torna desumanos ou indiferentes. Nossa sobrevivência como espécie depende totalmente de Gaia e de aceitarmos sua disciplina.” (p. 137).
Situar a crise política das democracias representativas no contexto da crise da evolução pela qual passa a humanidade nesse estágio terminal da era cenozoica pode ajudara dar a dimensão real das questões que nossa espécie de seres em transição está enfrentando atualmente.


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